26/12/2021

VINGADOR NEGRO - UMA PETIÇÃO DE NATAL - PARTE 1 DE 2

 1


– Por favor, Ivan, precisa me ajudar – disse o homem em pé em frente a uma mesa – Você sabe que eu não pediria uma coisa dessas se não estivesse realmente desesperado, mas eu juro que não tenho como pagar esses impostos. Meu trigo pegou fogo durante o calor intenso do mês passado… eu só fiquei com prejuízos. Nem sei como vamos passar os próximos meses.

– Sinto muito, Rubens, eu sei sobre a sua situação, mas é um decreto oficial, nós não podemos passar por cima das ordens do prefeito. Isso seria um crime – explicou o homem sentado do outro lado da mesa.

Rubens passou a mão pela cabeça loteada por poucos fios de cabelo. Sentiu as pernas magras bambearem e usou a mesa como apoio. Um vento abafado soprou pela janela atrás de Ivan.

– Ivan, por favor, deve haver alguma maneira. Me deixe pelo menos falar com o prefeito, acho que ele vai me entender se ao menos olhar para a situação da minha terra. Ou você mesmo pode fazer isso, não pode? Ser um dos assistentes administrativos do prefeito deve servir para alguma coisa.

Os olhos castanhos de Rubens cheios de esperança fitaram os olhos pequenos e apáticos de Ivan.

– Eu sinto muito, sinto muito mesmo, Rubens, mas não é assim que funciona – Ivan falou ajeitando a gravata verde que apertava sua garganta – Você já procurou os bancos?

Rubens soltou um riso de desdém e largou seu apoio na mesa.

– Ah, por mil demônios, nenhum banco quer ceder empréstimos a um homem sem nada como garantia. E não posso empenhar minha terra, pois, se não conseguir pagar o empréstimo, perderei o único bem que tenho depois da minha mulher e meu filho.

– Que pena… Eu...

– Eu também sinto.

Rubens passou por duas cadeiras, abriu a porta e saiu do escritório.


2


A voz estrondosa e aguda de Maria preencheu toda a cozinha.

– Que o diabo o carregue, Ivan!

Sentado à mesa, ao lado da histérica esposa, Rubens fitava a janela, pensativo.

– É sempre assim, quando são pobres e trabalhadores como nós, eles estão aqui e até recordam nossos nomes. Não lembra de quando Ivan passou uma noite inteira te ajudando com a enchente? Tudo porque ele queria aquele maldito voto para assistente! Malditos chacais!

Maria bateu o punho gordo contra a mesa e chamou a atenção de Rubens. Ele fitou o rosto redondo de sua mulher e encontrou fúria em seus olhos grandes.

– Eu mesma deveria ter ido até lá com você. Ah sim, aí eu teria dito algumas boas verdades para aquele filho de uma víbora. Ele ia me escutar nem que eu saísse de lá arrastada.

– Isso não ia adiantar, meu bem – disse Rubens – Acha que eu mesmo não senti vontade de enfiar meu punho na cara dele? Mas ir para o xadrez nos ajudaria em que aspecto?

Maria coçou a cabeleira preta.

– Maldição – ela resmungou – Odeio quando você tem razão.

– Precisamos de alguma ideia que nos ajude a obter uns trezentos dólares. Talvez seja suficiente para pagar esse maldito imposto.

Maria torceu o nariz e Rubens entrelaçou os dedos. Mas então uma voz fina falou:

– Por que não pedimos ajuda de Deus?

Maria e Rubens olharam para a porta que dava para o quarto. Havia uma menina em pé com uma cabeleira preta igual a da mãe e uma pele morena como a do pai.

– Deus pode nos ajudar, não é?

Maria e Rubens se entreolharam e sorriram.


3


Júlia observava sua mãe orar. Ajoelhada com os cotovelos apoiados no banco, ela murmurava sons que a menina se esforçava para entender. Aos nove anos ainda era difícil saber como deveria orar, mas Júlia já tinha aprendido muitas coisas apenas observando as pessoas. Como o fato de que existiam roupas para homens e outras para mulheres, ou também dois tipos de letras que ela chamava de quadradas e redondas, ou que haviam mulheres em Austin que se casavam toda a noite com um homem diferente e sua festa de casamento era feita nos saloons.

A menina se voltou para uma estátua de Jesus crucificado que estava destacada na parede atrás do altar. Jesus parecia muito machucado e triste naquela representação. E isso fez Júlia questionar se tinha sido uma boa ideia sugerir aos pais buscarem ajuda de Deus. Para a menina, Jesus também estava precisando de ajuda naquela imagem.

Maria se levantou, passou a mão nos cabelos da menina e piscou para ela.

– Fique aqui, eu vou conversar com o padre. Não vou demorar.

Júlia observou sua mãe caminhar até o pé do altar onde o padre, trajando sua vestimenta padrão, conversava com outra mulher. A menina tinha notado os olhos da mãe marejados. Isso nunca significava coisa boa, assim como quando ela não acordava cantarolando ou assobiando.

Júlia voltou seus olhos para a estátua de Jesus.

– Ei, é… Jesus – ela disse – Sou eu, a Júlia, aqui de Austin, aquela que dorme nas orações. Bem… meus pais estão encrencados, acho que o prefeito vai tomar nossa casa e nossa terra porque meu pai não tem dinheiro. Bom, será que você poderia nos ajudar? Ouvi meu pai dizendo que bastava uns treze dólares, eu acho. Nós moramos no lado leste da cidade próximo do saloon Estrela Amarga, é uma casa de madeira com cerca de arame farpado. Você não vai esquecer, vai?

– Com tantos detalhes, acho que ele não esquecerá.

Júlia olhou para trás e viu um homem com a cabeça apoiada no banco.

– Eu já vi adultos fazendo orações fervorosas, mas acho que é a primeira vez que vejo uma criança – o homem contou – Qual é o seu nome?

– Me chamo Júlia.

– Bonito nome. Me diga, Júlia, por que estava orando?

– Meus pais precisam da ajuda de Deus. Eles não têm dinheiro para pagar o prefeito. A colheita inteira do pai foi consumida pelas chamas. Por pouco não pegou nossa casa.

– Nossa, eu sinto muito.

– Por causa disso, vim aqui para ver se Jesus nos ajuda com alguns dólares.

O homem esboçou um sorriso.

– E você, pelo que está rezando?

– Por mais coragem.

– Do que você tem medo?

– De ficar conformado enquanto boas pessoas sofrem.

– Isso parece complicado.

– Sim, bastante. Mas acredito que Deus ouvirá nossas petições.

– Sério? Como sabe disso?

– Eu não sei, apenas acredito. E acreditar é um grande passo no mundo de Deus.

– Então acho que também acredito – a menina disse.

– Isso já é ótimo. 

Ele sorriu e ela sorriu de volta.

– Bom, Júlia, agora eu preciso ir – o homem disse se levantando – Foi um prazer te conhecer.

Ele caminhou quatro passos até que a menina chamou-o:

– Ei, você não me disse seu nome!

O homem apenas piscou para ela e continuou caminhando para a saída.



CONTINUA...


POR NAÔR WILLIANS


NOVO!

O VINGADOR NEGRO - O MAU RANCHEIRO - 10 de 10 - Final

Na vastidão do rancho de Dom Gabriel, um homem de quase trinta anos com a energia e visão de quem entende a complexidade da vida, a notícia ...