O silêncio pesava mais que a floresta inteira. As dez figuras me encaravam, e percebi que o círculo não era apenas de tochas — era um cerco. Não havia saída.
Engoli o medo e forcei a voz a sair firme, ainda que soasse como casca seca quebrando:
— Eu não trouxe Vargas até vocês. Se o nome dele aparece nas pedras, é porque ele já anda entre lendas e homens. Mas saibam: se ele escreveu, é porque queria ser visto. Quem se esconde não grava o próprio nome.A Iara ergueu o queixo, os cabelos se movendo como água agitada:
— Então você o entrega?
Olhei em volta. O Boitatá arqueava o corpo flamejante, como se já se preparasse para queimar cidades. O Mapinguari rosnava baixinho, saliva grossa escorrendo no chão. Cada um queria um sacrifício.
— Eu entrego a verdade — respondi, respirando fundo. — Se Vargas mexe com forças que não entende, ele deve ser julgado. Mas não pelos homens que ele engana... e sim por vocês, que ele afrontou.
O Curupira inclinou-se para a frente, pés marcando lama no chão de raízes:
— Palavras ousadas para quem é apenas passageiro. Você pede que sejamos juízes de nossa própria ruína.
— Sim — retruquei. — Porque se vocês destruírem humanos sem distinção, se virarem fogo e dente contra todos, vão virar só mais um pesadelo. E pesadelos... os homens esquecem.
A sombra de Anhangá moveu-se, os olhos em brasa fixos em mim.
— Ele fala como quem já nos viu sumir dos lábios das crianças.
Matinta Perera soltou um sopro gélido que apagou metade das tochas.
— Talvez Hustler esteja aqui não para ser punido, mas para ser usado.
Nesse momento, o Boto sorriu com um sorriso humano demais, os olhos cintilando.
— Ele pode ser nosso mensageiro. Levar Vargas até nós.
O Curupira ergueu a mão, e todos silenciaram.
— Então está decidido. Hustler, você terá uma chance. Se trouxer Vargas até este círculo, sua vida volta a ser sua. Se falhar... será lembrado apenas como mais um eco entre as árvores.
O chão tremeu, e senti a floresta engolindo o tribunal. Num piscar, estava de volta ao quarto. Billy estava de joelhos diante do quadro, a mão ainda suja de lama.
Ele ergueu o rosto para mim, pálido:
— O que eles disseram?
Do corredor, ecoaram de novo as três batidas secas.
— Que Vargas não é quem diz ser — murmurei. — E que agora... ele é nosso caminho.
CONTINUA...
POR ALCÍ SANTOS