— O que eles disseram? — repetiu Billy, a voz um sussurro rouco.
— Que Vargas não é quem diz ser — murmurei, sentindo o peso da missão se instalar em meus ombros.
— E que agora... ele é nosso caminho.
A terceira batida, mais forte e impaciente, fez a porta vibrar. Não era a batida de um vizinho, nem de um policial. Era a batida de algo que não precisava de permissão para entrar.
— Billy, levanta. Precisamos sair daqui — ordenei, pegando a mochila que estava jogada no chão.
— Sair para onde, Hustler? Para a floresta? Para entregar um homem a um bando de... de lendas?
— Não são lendas, Billy. São juízes. E eles nos deram um prazo.
A madeira da porta começou a estalar, como se uma pressão invisível estivesse sendo aplicada.
— O que está batendo? — perguntou Billy, o pânico finalmente o libertando da paralisia.
— Não importa. O que importa é que eles não querem que a gente encontre Vargas. E se o tribunal da floresta quer Vargas, e o que está lá fora quer nos impedir, Vargas está no meio de algo muito maior do que imaginávamos. Corri para a janela, abrindo as cortinas pesadas. A rua estava deserta, iluminada apenas pela luz fraca de um poste de mercúrio.
— O Curupira disse que se eu falhar, serei um eco. E se eu tiver sucesso, minha vida volta a ser minha. É a única chance que temos de sair dessa história vivos.
Billy correu até mim, olhando para a porta que agora gemia sob a tensão.
— E como a gente acha o Vargas? Ele sumiu há meses!
— Ele não sumiu. Ele se escondeu. E quem se esconde, Billy, sempre deixa um rastro. O Mapinguari, o Boitatá, a Iara... eles não me deram um mapa, me deram uma pista.
Puxei Billy pela manga, afastando-o da porta que ameaçava ceder.
— O que eles disseram sobre ele?
— Que ele mexe com forças que não entende. E que ele afrontou o tribunal. Pense, Billy. Onde um homem que afronta o mito se esconde? Onde ele tentaria se tornar um mito ele mesmo?
As batidas cessaram. Um silêncio frio e absoluto caiu sobre o quarto, mais ameaçador do que o barulho.
— Onde? — sussurrou Billy.
— No único lugar onde a lenda e o homem se encontram e se confundem. No lugar onde ele escreveu o próprio nome nas pedras.
Olhei para o quadro de Billy, para a lama que ainda escorria, para a caligrafia antiga que parecia pulsar na tela.
— Vamos para a cidade velha. Para o **Arquivo Nacional**. Vargas não se escondeu na floresta, Billy. Ele se escondeu na história. E é lá que vamos encontrá-lo.
A porta finalmente cedeu, mas não se abriu. Ela se desintegrou em pó fino, revelando apenas a escuridão do corredor. E na escuridão, uma voz, seca como a Matinta Perera, mas com a autoridade de Anhangá, ecoou:
— **Você não vai a lugar nenhum, Hustler.**
Um vulto se materializou no batente, alto e esguio, vestindo um terno que parecia absorver a pouca luz do ambiente. Não era uma criatura da floresta, mas algo mais perigoso: um agente da ordem humana, corrompido pelo poder que Vargas havia despertado.
Ele segurava um objeto que refletia a luz do poste: não uma arma, mas um pedaço de giz, idêntico ao que Billy usara para desenhar.
— O tribunal da floresta cometeu um erro ao confiar em um passageiro. Vargas é propriedade do **Estado**. E você... você é uma testemunha que precisa ser silenciada.
— E o que você é? — desafiei, colocando Billy atrás de mim.
— Eu sou o **Guardião do Silêncio**. E o silêncio é a única coisa que resta quando as lendas se tornam verdade.
Ele ergueu o giz, e a linha traçada no ar começou a brilhar com uma luz azulada, como um raio prestes a atingir.
— **Última chance, Hustler. Entregue o caminho.**
— O caminho não se entrega, Guardião — respondi, puxando Billy para o lado e saltando pela janela. — **O caminho se faz.**
O som do vidro quebrando foi abafado pelo rugido do raio azul que atingiu o quarto, e caímos na rua escura, a missão agora clara: fugir do Guardião, encontrar Vargas no Arquivo Nacional, e levá-lo ao tribunal da floresta antes que o mundo dos homens e o mundo do mito colidissem de vez. O jogo havia começado.
CONTINUA...
POR ALCÍ SANTOS
Nenhum comentário:
Postar um comentário