05/12/2025

HUSTLER - A ILHA - CAPÍTULO 10

Finalmente, ao amanhecer, o enigma se desvendou. Um compartimento secreto na pedra se abriu, revelando não ouro ou joias, mas uma essência luminosa que pulsava como o coração da floresta. Hustler estendeu a mão para pegá-la, mas Billy hesitou.
— Espere! As visões... Elas dizem que isso pertence à terra. Nós precisamos devolver, não roubar.
Hustler riu, mas antes que pudesse responder, as lendas se materializaram: espíritos etéreos, formas de folhas e vento, circundando-os. Julgando sua ganância e ousadia, os guardiões decidiram ensinar uma lição eterna. Com um gesto suave, transformaram Hustler e Billy em duas árvores frondosas, suas raízes entrelaçadas no solo fértil da clareira. Agora, eles vigiariam o tesouro para sempre, suas folhas sussurrando histórias aos viajantes que passassem por ali.

ATÉ A PRÓXIMA TEMPORADA !!! 

POR ALCÍ SANTOS 

HUSTLER - A ILHA - CAPÍTULO 09

À medida que o sol se punha, tingindo o céu de tons alaranjados, os dois amigos avistaram uma clareira iluminada por um brilho etéreo. No centro, erguia-se uma pedra antiga, gravada com símbolos indecifráveis. Hustler sacou o mapa e comparou as marcas.

— Veja só, Billy. Isso é exatamente o que procurávamos.

Agora, precisamos decifrar esses enigmas para revelar o tesouro.

Billy se aproximou, tocando a superfície fria da pedra. Uma visão surgiu em sua mente: imagens de espíritos da floresta, as lendas vivas que vigiavam o equilíbrio da natureza. Ele recuou, assustado.

— Hustler, eu vi coisas... Seres antigos. Eles não vão nos deixar levar nada sem um preço.
Hustler franziu a testa, mas sua ganância a impulsionava.
— Bobagem. Vamos resolver isso juntos. Use sua esperteza, garoto.

Eles passaram horas debatendo os símbolos, unindo peças de quebra-cabeças ancestrais. A noite caiu, e com ela veio uma brisa que parecia sussurrar advertências.

No entanto, a determinação dos dois os mantinha firmes, ignorando os sinais de que as lendas não eram meras histórias.

CONCLUI A SEGUIR... 

POR ALCÍ SANTOS 

HUSTLER - A ILHA - CAPÍTULO 08

Hustler e Billy caminhavam pela floresta densa, onde as sombras das árvores antigas se entrelaçavam como segredos guardados por séculos. Hustler, com seu chapéu desgastado e um sorriso astuto, liderava o caminho, enquanto Billy, mais jovem e impulsivo, carregava a mochila pesada com suprimentos. Eles buscavam o tesouro lendário, escondido no coração da mata, segundo as antigas histórias contadas pelos aldeões.
— Ei, Hustler, você acha mesmo que esse mapa é verdadeiro? — perguntou Billy, limpando o suor da testa.
Hustler parou por um momento, ajustando os óculos embaçados.
— Claro que é, garoto. Eu não arriscaria nossa pele por uma fábula qualquer. Mas precisamos ser cuidadosos; as lendas falam de guardiões que protegem o lugar.
Eles prosseguiram, desviando de raízes retorcidas e riachos murmurantes. De repente, um ruído ecoou ao longe, como o sussurro do vento carregando vozes ancestrais.

Billy sentiu um arrepio, mas Hustler apenas riu baixinho, incentivando-o a continuar.

A jornada mal havia começado, e o ar estava carregado de mistério. 

 CONTINUA...

POR ALCÍ SANTOS  

HUSTLER - A ILHA - CAPÍTULO 07

O impacto no asfalto arrancou o ar dos meus pulmões. Por um segundo, tudo o que existia era o zumbido nos ouvidos e o cheiro de poeira e vidro. Billy rolou ao meu lado, gemendo, mas vivo.  

— Hustler... a gente tá morto? — murmurou ele, tentando se levantar.

— Ainda não.

Apoiei a mão no chão frio e forcei o corpo a ficar de pé, mas se a gente ficar parado, aí morreremos mesmo.

Acima de nós, o quarto explodia em clarões azuis que dançavam pelas frestas da janela estilhaçada. A luz do giz do Guardião atravessava o vidro como se fosse papel de seda, riscando o interior com relâmpagos silenciosos.

— Ele vai descer — sussurrou Billy. 

— Cara, ele vai descer. É por isso que a gente vai sumir antes.

Puxei-o pela gola da camisa, arrastando-o para a sombra projetada pelo prédio vizinho.

 — Anda. Mantém a cabeça baixa Billy.

A rua parecia mais longa do que algumas horas antes. O poste de mercúrio piscava, como se também tivesse medo de se manter aceso. Cada janela escura era um olho fechado, recusando-se a testemunhar o que caminhava entre mundos naquela noite.— O que foi aquilo na porta? Billy insistiu, tropeçando no meio-fio.

 — Não era só poder humano, Hustler. Gente não desmancha porta em poeira.— Era humano o suficiente pra usar terno e falar em “propriedade do Estado”. — Apertei o passo. — O resto é o tipo de empréstimo que se paga caro.Virei a esquina sem olhar para trás, mas senti, mais do que ouvi, quando o clarão no quarto cessou. O silêncio que se seguiu não era vazio; era atento. Como se o Guardião tivesse parado para escutar nossos passos na calçada.

— Ele pode nos rastrear? — perguntou Billy.

Se o giz dele funciona como o seu quadro, pode. — Apontei para o casaco de Billy. 

— Cadê o seu giz?

— Quebrei tudo quando terminei o desenho. Você viu.

— Ótimo. Então, por enquanto, só ele tem linha para escrever no ar. Caminhamos em direção à avenida principal, onde a cidade ainda fingia normalidade com letreiros de farmácia e padarias fechadas pela metade. Um ônibus vazio passou, iluminando-nos por dentro como fantasmas por alguns segundos.

— Hustler, e se ele estiver certo? — Billy perguntou, a voz quase sumindo no barulho distante de um motor.

— E se o tribunal da floresta tiver errado em confiar em você?

— O tribunal não confia em ninguém, Billy. Ele negocia.

Olhei para os meus próprios dedos, ainda manchados da lama sagrada que pingara da tela.

— E eu aceitei o contrato. Quem tá em dívida agora sou eu. 

Billy respirou fundo, engolindo as próximas objeções. Sabia que, depois da sentença do Curupira, não havia volta. Ou cumpríamos o prazo, ou virávamos ecos — sombras sem história, andando em círculos na memória da floresta.

— O Arquivo Nacional fica do outro lado da cidade — ele comentou, quase para preencher o silêncio.

— Como a gente chega lá sem ser riscado do mapa por um giz azul assassino?

— Primeiro, a gente precisa de sombra. Depois, de velocidade.

Olhei para o fim da avenida, onde as luzes dos táxis formavam uma linha tremeluzente. O mundo humano continuava funcionando, alheio ao tribunal e ao Guardião. Mas, naquele momento, toda a ordem urbana parecia um véu fino demais para segurar o que vinha do escuro.— E da próxima vez que ele aparecer — completei —, a gente vai estar preparado. Porque se o Estado acha que possui o Vargas, então o Estado tem rastro. E rastro é tudo o que a gente precisa.

 CONTINUA...

 POR ALCÍ SANTOS 

13/11/2025

HUSTLER - A ILHA - CAPÍTULO 06

O silêncio que se seguiu à batida no corredor foi mais ensurdecedor do que o rugido do Mapinguari. Billy, ainda ajoelhado, parecia uma estátua de sal, os olhos fixos na porta. A lama em sua mão era a única prova física de que o tribunal da floresta não havia sido um delírio febril.

— O que eles disseram? — repetiu Billy, a voz um sussurro rouco.

— Que Vargas não é quem diz ser — murmurei, sentindo o peso da missão se instalar em meus ombros.

 — E que agora... ele é nosso caminho.

A terceira batida, mais forte e impaciente, fez a porta vibrar. Não era a batida de um vizinho, nem de um policial. Era a batida de algo que não precisava de permissão para entrar.

— Billy, levanta. Precisamos sair daqui — ordenei, pegando a mochila que estava jogada no chão.

— Sair para onde, Hustler? Para a floresta? Para entregar um homem a um bando de... de lendas?

— Não são lendas, Billy. São juízes. E eles nos deram um prazo.

A madeira da porta começou a estalar, como se uma pressão invisível estivesse sendo aplicada.

— O que está batendo? — perguntou Billy, o pânico finalmente o libertando da paralisia.
— Não importa. O que importa é que eles não querem que a gente encontre Vargas. E se o tribunal da floresta quer Vargas, e o que está lá fora quer nos impedir, Vargas está no meio de algo muito maior do que imaginávamos. Corri para a janela, abrindo as cortinas pesadas. A rua estava deserta, iluminada apenas pela luz fraca de um poste de mercúrio.

— O Curupira disse que se eu falhar, serei um eco. E se eu tiver sucesso, minha vida volta a ser minha. É a única chance que temos de sair dessa história vivos.

Billy correu até mim, olhando para a porta que agora gemia sob a tensão.

— E como a gente acha o Vargas? Ele sumiu há meses!

— Ele não sumiu. Ele se escondeu. E quem se esconde, Billy, sempre deixa um rastro. O Mapinguari, o Boitatá, a Iara... eles não me deram um mapa, me deram uma pista.

Puxei Billy pela manga, afastando-o da porta que ameaçava ceder.

— O que eles disseram sobre ele?

— Que ele mexe com forças que não entende. E que ele afrontou o tribunal. Pense, Billy. Onde um homem que afronta o mito se esconde? Onde ele tentaria se tornar um mito ele mesmo?

As batidas cessaram. Um silêncio frio e absoluto caiu sobre o quarto, mais ameaçador do que o barulho.

— Onde? — sussurrou Billy.

— No único lugar onde a lenda e o homem se encontram e se confundem. No lugar onde ele escreveu o próprio nome nas pedras.

Olhei para o quadro de Billy, para a lama que ainda escorria, para a caligrafia antiga que parecia pulsar na tela.

— Vamos para a cidade velha. Para o **Arquivo Nacional**. Vargas não se escondeu na floresta, Billy. Ele se escondeu na história. E é lá que vamos encontrá-lo.

A porta finalmente cedeu, mas não se abriu. Ela se desintegrou em pó fino, revelando apenas a escuridão do corredor. E na escuridão, uma voz, seca como a Matinta Perera, mas com a autoridade de Anhangá, ecoou:

— **Você não vai a lugar nenhum, Hustler.**

Um vulto se materializou no batente, alto e esguio, vestindo um terno que parecia absorver a pouca luz do ambiente. Não era uma criatura da floresta, mas algo mais perigoso: um agente da ordem humana, corrompido pelo poder que Vargas havia despertado.

Ele segurava um objeto que refletia a luz do poste: não uma arma, mas um pedaço de giz, idêntico ao que Billy usara para desenhar.

— O tribunal da floresta cometeu um erro ao confiar em um passageiro. Vargas é propriedade do **Estado**. E você... você é uma testemunha que precisa ser silenciada.

— E o que você é? — desafiei, colocando Billy atrás de mim.
— Eu sou o **Guardião do Silêncio**. E o silêncio é a única coisa que resta quando as lendas se tornam verdade.

Ele ergueu o giz, e a linha traçada no ar começou a brilhar com uma luz azulada, como um raio prestes a atingir.

— **Última chance, Hustler. Entregue o caminho.**

— O caminho não se entrega, Guardião — respondi, puxando Billy para o lado e saltando pela janela. — **O caminho se faz.**

O som do vidro quebrando foi abafado pelo rugido do raio azul que atingiu o quarto, e caímos na rua escura, a missão agora clara: fugir do Guardião, encontrar Vargas no Arquivo Nacional, e levá-lo ao tribunal da floresta antes que o mundo dos homens e o mundo do mito colidissem de vez. O jogo havia começado.

CONTINUA... 

 POR ALCÍ SANTOS

22/09/2025

HUSTLER - A ILHA - CAPÍTULO 05

O silêncio pesava mais que a floresta inteira. As dez figuras me encaravam, e percebi que o círculo não era apenas de tochas — era um cerco. Não havia saída.

Engoli o medo e forcei a voz a sair firme, ainda que soasse como casca seca quebrando:
— Eu não trouxe Vargas até vocês. Se o nome dele aparece nas pedras, é porque ele já anda entre lendas e homens. Mas saibam: se ele escreveu, é porque queria ser visto. Quem se esconde não grava o próprio nome.A Iara ergueu o queixo, os cabelos se movendo como água agitada:
— Então você o entrega?

Olhei em volta. O Boitatá arqueava o corpo flamejante, como se já se preparasse para queimar cidades. O Mapinguari rosnava baixinho, saliva grossa escorrendo no chão. Cada um queria um sacrifício.

— Eu entrego a verdade — respondi, respirando fundo. — Se Vargas mexe com forças que não entende, ele deve ser julgado. Mas não pelos homens que ele engana... e sim por vocês, que ele afrontou.

O Curupira inclinou-se para a frente, pés marcando lama no chão de raízes:
— Palavras ousadas para quem é apenas passageiro. Você pede que sejamos juízes de nossa própria ruína.

— Sim — retruquei. — Porque se vocês destruírem humanos sem distinção, se virarem fogo e dente contra todos, vão virar só mais um pesadelo. E pesadelos... os homens esquecem.

A sombra de Anhangá moveu-se, os olhos em brasa fixos em mim.
— Ele fala como quem já nos viu sumir dos lábios das crianças.

Matinta Perera soltou um sopro gélido que apagou metade das tochas.
— Talvez Hustler esteja aqui não para ser punido, mas para ser usado.

Nesse momento, o Boto sorriu com um sorriso humano demais, os olhos cintilando.
— Ele pode ser nosso mensageiro. Levar Vargas até nós.

O Curupira ergueu a mão, e todos silenciaram.

— Então está decidido. Hustler, você terá uma chance. Se trouxer Vargas até este círculo, sua vida volta a ser sua. Se falhar... será lembrado apenas como mais um eco entre as árvores.

O chão tremeu, e senti a floresta engolindo o tribunal. Num piscar, estava de volta ao quarto. Billy estava de joelhos diante do quadro, a mão ainda suja de lama.
Ele ergueu o rosto para mim, pálido:
— O que eles disseram?

Do corredor, ecoaram de novo as três batidas secas.

— Que Vargas não é quem diz ser — murmurei. — E que agora... ele é nosso caminho.

CONTINUA...

POR ALCÍ SANTOS

HUSTLER - A ILHA - CAPÍTULO 04

O ar pareceu se dobrar sobre si mesmo quando os olhos do Curupira se abriram. Antes que Billy pudesse reagir, senti a pressão de mãos invisíveis me arrancando do quarto. Não houve grito. Só o som abafado de raízes se enroscando em volta do meu corpo, puxando-me para dentro da escuridão.

Quando a luz voltou, já não havia paredes. Estava em um círculo aberto no coração da mata, iluminado por tochas que ardiam sem consumir nada. Ao redor, dez figuras me observavam. Nenhuma delas era humana.

Eram as dez maiores lendas da Amazônia, reunidas como um tribunal antigo:

Curupira, de olhos faiscantes e pés virados.

Iara, seus cabelos escorrendo como rio noturno, cantando sem voz.

Boitatá, serpente de fogo, ondulando em espirais de brasas.

Mapinguari, gigante de um só olho e boca no estômago.

Matinta Perera, velha encurvada, o sopro dela trazendo o frio.

Boto cor-de-rosa, com seus olhos humanos demais.

Cobra-Grande, enrolada nos limites do círculo, respirando pesado.

Anhangá, o cervo fantasma de olhos em chamas.

Caboclo d’Água, gotejando no chão seco.

Mãe do Mato, coberta de folhas vivas, que murmuravam como vento.

O Curupira tomou a palavra, voz grave como tronco rompendo:
— Trouxe Hustler para ouvir o que se esqueceu. Há uma decisão a ser feita: destruir quem nos esquece... ou destruir quem nos inventou.

O círculo se moveu em murmúrios. Eu entendi. Não eram só humanos que estavam em julgamento, mas também as próprias lendas que se corromperam, usadas em histórias distorcidas.

Iara inclinou-se, apontando para mim com um dedo de água:
— Eles profanam o rio, cantam meu nome em festas de mentira, e riem.
Boitatá rugiu:
— E ateiam fogo na floresta, como se quisessem me convocar.

Foi então que a Matinta Perera, com sua voz de ferro e areia, se aproximou de mim.

— Há um humano suspeito, Curupira. Ele atravessou a mata com carvão nos bolsos e deixou símbolos na pedra. Um nome ele riscou, repetidas vezes... “Vargas”.

O nome caiu no círculo como pedra no lago. Billy não estava ali, mas eu podia sentir o medo dele dentro de mim.

O Curupira olhou para mim, olhos de fogo refletindo todos os outros.
— Hustler, você os trouxe. Cabe a você decidir: mostrar o culpado... ou pagar por ele.

As tochas arderam mais forte. E ao fundo, no vento, uma batida ritmada ecoou — três toques secos. O mesmo código da parede.

CONTINUA...

POR ALCÍ SANTOS

20/08/2025

HUSTLER - A ILHA - CAPÍTULO 03

 — A coisa aqui é séria, Hustler — murmurou Billy, ainda segurando a borda do quadro como se temesse que ele desaparecesse. Não respondi logo. O ar no quarto parecia ter engrossado, como se a umidade da floresta tivesse encontrado um caminho por baixo da porta, subindo pelas paredes e se instalando nos pulmões. 

A luz do fim da tarde escorria pela janela em faixas tortas, iluminando poeira suspensa no ar — partículas que dançavam como se obedecessem a um ritmo só seu.

— Ele não pareceu assustado — falei por fim, a voz mais baixa do que pretendia. — Parecia... avisado.

Billy virou o rosto para mim, os olhos estreitos. Ele sempre enxergava o mundo como um quebra-cabeça de sinais e coincidências. Eu, não. Eu enxergava o que estava à frente: tábuas rangendo, um gerente com camisa errada para o clima, e um quarto que cheirava a segredo e mofo.

— O Curupira vira os pés pra trás pra confundir quem o persegue — disse ele, como se estivesse lendo um livro invisível. — Mas por que todo mundo aqui parece estar fugindo dele... ou dele mesmo?

Antes que eu pudesse responder, um som cortou o silêncio: três batidas secas na parede, vindas do quarto ao lado. Não foi um toque casual. Foi ritmado. Um código. Uma chamada.

Fiquei imóvel. Billy soltou o quadro e deu um passo atrás.

— Você ouviu?

— Ouvi — respondi, mas já não tinha certeza se queria ter ouvido.

A porta rangeu de novo. Não foi aberta, mas sentimos a presença. Algo do lado de fora. Um leve movimento na fresta sob a soleira, como se uma sombra tivesse passado e parado ali, imóvel.

— Assim que estiverem acomodados — dissera Vargas — preciso falar com vocês. É urgente.

Mas quanto tempo fazia? Dez minutos? Quinze? E por que ele não voltava?

— Vamos esperar — sussurrei, mas já estava de pé, aproximando-me da janela. A mata cerrada se estendia além do vidro rachado, densa, verde-escura, como se engolisse a luz. Nada se movia. Nada, exceto um galho que balançou — sozinho.

— Hustler — chamou Billy, a voz trêmula pela primeira vez desde que saímos da cidade. — O quadro... mudou.

Virei-me devagar.

O desenho do Curupira continuava na parede. Mas agora os pés virados para trás estavam... sujos. Marcas de lama escorriam da tela, como se tivessem sido pisadas recentemente. E os olhos — antes apenas dois pontos escuros — agora refletiam algo. Um brilho. Um reflexo de fogo.

— Isso não é possível — disse Billy, mas não se afastou. Ao contrário, deu um passo à frente, como se aterrorizado e fascinado ao mesmo tempo.

— Não encoste nele — ordenei.

Mas foi tarde.

Ele tocou a tela com a ponta dos dedos.

E o quarto inteiro estremeceu.

Não foi um tremor de terra. Foi como se o tempo tivesse dado um salto, um piscar de olhos que durou mais do que deveria. A luz se apagou. A janela escureceu. E, por um instante — apenas um —, o cheiro de mofo desapareceu, substituído por cinzas, fumaça e algo doce, como flores apodrecendo.

Então, do corredor, veio o som de passos.

Mas não eram passos normais.

Eram desiguais. Um pé pisava para frente. O outro, para trás.

— Vargas? — chamei, mas minha voz soou estranha, abafada, como se viesse de longe.

Ninguém respondeu.

Os passos pararam diante da porta.

E então, uma voz — não de Vargas, não de ninguém que já tivéssemos ouvido — sussurrou, vinda de todos os lados ao mesmo tempo:

— Vocês não deveriam ter tocado.

O trinco da porta tremeu.

Mas não foi girado.

Foi empurrado para baixo, como se algo estivesse se espremendo por baixo, entrando devagar, com paciência infinita.

Billy recuou até a cama. Eu fiquei onde estava, olhos fixos na fresta sob a porta.

E então, vi.

Uma sombra se esticava pelo chão. Mas não seguia a luz da janela.

Ela se movia sozinha.

— Hustler — sussurrou Billy, a voz quase inaudível. — Ele não está aqui pra proteger a floresta...

Engoli em seco.

— Ele está aqui pra proteger ela de nós.

No teto, a pintura do Curupira sorria. E seus olhos, agora, estavam abertos.

 CONTINUA...

POR ALCÍ SANTOS

13/08/2025

VINGADOR NEGRO - VERDADE DE AÇO - CAPÍTULO 2 DE 10

O xerife Carl McCade, um homem na casa dos quarenta anos com aparência de cinquenta, tinha acordado irritado. Ele já era um sujeito irritado por natureza, seja porque tivera que tomar as responsabilidades de casa logo cedo por conta da morte de seu pai ou seja porque estava perdendo as estribeiras desde que se tornara o xerife de Austin. Indígenas, mexicanos, americanos e a guerra de etnia eterna, além do mascarado justiceiro agindo por conta própria. De um lado, o prefeito e os nobres cobrando a captura do mascarado, não por justiça, sim, McCade sabia que aqueles homens só estavam pensando em si mesmos. Enquanto isso, o povo mais pobre não buscava mais a ajuda da lei e sim de seu salvador vestido de negro.

A situação só piorara quando Jake Callahan, um bom jovem, mas emocionado por confrontos, trouxera uma dúzia de mexicanos para o escritório. Junto com Callahan, D. Hernandes e dois de seus capangas afirmando que os mexicanos haviam roubado bois de sua fazenda — que não ironicamente ficava ao lado do terreno dos mexicanos.

— Nós flagramos o roubo — Hernandes afirmou com o peito estufado e autoridade na voz. — Pergunte ao Jake.

Jake, como sempre, não demorou a confirmar:

— Escondidos em uma caverna por um arbusto.

— Señor, sequer sabíamos da existência de tal caverna em nosso terreno — um dos mexicanos comentou.

— Fique calado! Escória maldita.

— Ei, Hernandes, vamos com calma, eu estou há trinta anos com uma dor de cabeça dos infernos — o xerife falou.

— Senhor Hernandes, caro xerife. Gostaria de não perder os modos de etiqueta.

— Então não perca os modos com os mexicanos também, afinal, temos aqui uma acusação séria que precisava ser investigada.

— Investigada? — o homem quase perdeu as boas maneiras em seus trajes elegantes. — Não ouviu Jake e meus homens dizendo que encontraram meus bois no flagrante?!

McCade coçou os olhos de forma teatral.

— Como explicar…? Todos têm direito a uma investigação e a um julgamento justo.

— Até os mexicanos? — dessa vez foi Jake quem indagou.

— Se eles são seres racionais e pensantes, então de acordo com as leis desse país e dentro da minha jurisdição, sim. E nada será dito até que eu lhes chame para interrogatório.

— O senhor também quer nos interrogar, xerife? — um dos capangas de Hernandes pareceu indignado.

— Meu caro, não irei explicar como fazer meu trabalho, mas se quer fazer as coisas do seu jeito, sugiro que vá se tornar xerife.

— Já tinha ouvido falar do seu modo rude, mas nunca pensei ser verdade — Hernandes rebateu.

— Desculpe meu humor, D. Hernandes, mas eu não tenho tempo para tomar chá à tarde e contabilizar meus dólares no fim de semana. Tudo o que contabilizo são pessoas me enchendo a paciência e criando caso quando um boi sai de uma fazenda e aparece em outra.

Hernandes colocou a mão na cintura e disse:

— É isso que o senhor pensa?

— Essa seria a primeira dedução de qualquer pessoa sem segundas intenções. Mas, por favor, me permita terminar a minha investigação e depois terei prazer em dar meu veredito.

D. Hernandes e seus capangas deram de ombros e saíram do escritório, apenas Jake e os mexicanos permaneceram.

— Mas McCade, eu encontrei…

— Jake, por favor, me poupe de suas tolices.

O jovem baixou a cabeça com a cabeleira loura.

— Por todos os diabos, agora eu tenho que arrumar essa bagunça.


CONTINUA...


POR NAOR WILLIANS

26/07/2025

HUSTLER - A ILHA - CAPÍTULO 02

Ao atravessar o corredor de tábuas empenadas, fomos recebidos pelo gerente da pousada, Vargas. Usava uma camisa vinho de manga comprida — inadequada para o calor úmido — e sorria como quem tenta disfarçar pressa. Cumprimentou Billy com um aperto de mão formal demais para um garoto e me lançou um olhar demorado, como se buscasse decifrar códigos antigos no meu rosto.— Vocês são os últimos hóspedes a chegar. Espero que a viagem não tenha sido cansativa — disse, desviando o olhar para o registro na prancheta. — Cuidamos da segurança aqui. Se precisarem de qualquer coisa, me procurem.

O quarto era apertado, com uma janela voltada para a mata cerrada e paredes cobertas por pinturas rústicas. Billy caminhou até um quadro próximo à porta, examinando com atenção o desenho de uma criatura de cabelos flamejantes e pés virados para trás. Outras ilustrações do mesmo personagem — entre árvores, fogueiras, até mesmo no teto — marcavam presença em cada canto. O sotaque apressado de Vargas soou atrás de nós:

— Aqui chamam de Curupira. Protetor da floresta. Dizem que confunde caçadores e quem entra sem permissão.

Billy tocou o quadro suavemente, olhos brilhando de perguntas não feitas. Me sentei na cama, tentando não pensar no fato de que o colchão parecia ligeiramente úmido, nem no cheiro persistente de mofo. Vargas ajustou a persiana improvisada e, antes de sair, parou na porta.

— Assim que estiverem acomodados, preciso falar com vocês. É urgente — disse, a voz baixa, tão grave quanto promissora de segredos. O rangido da porta ecoou após sua saída. Billy segurou uma das ilustrações do Curupira, o olhar fixo nos pés ao contrário. 

— Se até o gerente parece assustado, é porque a coisa aqui é séria, Hustler — murmurou. O silêncio, enfim, pareceu mais cheio do que nunca. 

CONTINUA...

POR ALCÍ SANTOS 

VINGADOR NEGRO - VERDADE DE AÇO - CAPÍTULO 1 DE 10

Quando D. Gabriel despertou naquela manhã desconfiou de algo errado já que tinha ouvido certo burburinho vindo do andar de baixo da casa, mas apenas ao ver Emília e Sancho, dois de seus empregados, teve a certeza.
Eles haviam preparado a mesa com o café da manhã, mas ele sequer sentou antes de perguntar:
— O que aconteceu?
Emília ajeitou o cabelo preto em contraste com sua pele morena e falou:
— Nada para o senhor esquentar a cabeça, D. Gabriel.
— Se você não quiser contar, talvez Sancho me conte — ele disse com um sorriso sarcástico no rosto.
Sancho era um sujeito calvo vestido com uma calça suja e uma camisa que outrora fora branca. Ele lançou um olhar desconfiado para Emília que retribuiu com um olhar de reprovação.
— Não é necessário se preocupar, señor.
— Então irei descobrir na cidade.
Emília agarrou um pedaço do tecido do vestido entre dedos e disse:
— Não queremos que pense que estamos pedindo a sua ajuda, D. Gabriel. Já somos muito gratos pelo emprego. Nem todos os dons de Austin contratariam estrangeiros.
— Bah! Não fico emocionado com a bajulação, mas ficarei grato se compartilharem comigo o motivo de sua angústia.
Notando que seu senhor era irredutível, a mulher finalmente contou a verdade:
— São os mexicanos. Deve se lembrar de que os ajudou a comprar uma porção de terra há alguns meses.
— Sim, estou lembrado — ele concordou tomando um pouco de café. — Há alguns de seus primos entre eles, certo?
Os dois assentiram.
— Bem, ficamos sabendo que foram acusados de roubo esta manhã. Uma dúzia deles está presa na delegacia de Austin — foi Sancho quem explicou.
D. Gabriel desistiu de colocar o pedaço de bolo de milho na boca e perguntou:
— Quem fez a acusação?
— D. Hernandes Torres, o rancheiro que já foi do exército.
Gabriel pousou a mão no queixo e ficou pensativo por alguns segundos.
— O que o xerife disse?
— Ainda não se pronunciou, mas é a palavra de Torres e seus homens contra a dos mexicanos. Quem o senhor acha que vai triunfar? — Sancho falou de modo quase desesperado.
Gabriel limpou a boca, se levantou e saiu à procura de seu chapéu. Emília desembestou atrás dele como um caçador em busca da presa.
— Senhor, por favor, não precisa fazer isso.
— O que pensa que vou fazer? — o jovem perguntou erguendo a sobrancelha.
— Não precisa se meter em confusão para nos ajudar mais uma vez. O senhor já fez muito quando facilitou a compra daquelas terras.
— E se me lembro bem, D. Gaspar não gostou nada de sua intromissão — Sancho complementou.
Gabriel soltou uma risada sarcástica e segurou os dois pelos ombros em seguida.
— Meus caros, eu me viro com esses engomados de gravata. O que pretendo é garantir que seus parentes terão um julgamento justo.
E deixou-os para ir até a cidade.

CONTINUA...

POR NAÔR WILLIANS

23/07/2025

CORREIO ÔMEGA

 Salve, pessoal!


Passando por aqui para avisar que teremos uma nova aventura do Vingador Negro! Dessa vez, nosso vigilante mascarado terá que ajudar um grupo de mexicanos acusados de roubo por um rancheiro de Austin.

Essa nova história estreia nessa sexta feira. Não percam!

Além disso, se o tempo me permitir, teremos a volta de John Caveira, o caçador de recompensas, até o final do ano. Torçam para que dê certo, pois acredito que estamos sem aventuras individuais do John desde 2017. É tempo pra caramba! E venho ensaiando o retorno dele há bastante tempo, mas sem sucesso. Na verdade, venho ensaiando o retorno de VN e JC faz anos. Bem, um deles saiu do ensaio. Esperemos que o outro também.

Mega abraço.

NAÔR WILLIANS - O ESCRITOR DOS ENSAIOS


18/07/2025

HUSTLER - A ILHA - CAPITULO 01

O cheiro de mofo e salitre impregnava o convés inferior do navio quando adotei meu vigésimo terceiro nome: Hustler. Um termo que corta como lâmina —pode significar trapaceiro, sobrevivente, ou apenas alguém que se recusa a morrer.
Minhas unhas afundavam na madeira úmida enquanto eu contava os passos dos marinheiros no piso superior. Vinte e cinco anos fugindo me ensinaram: até um suspiro pode ser pista.
Las Vegas ainda habita meus pesadelos. O brilho dourado dos cassinos se faz agulhas sob minha pele; o sabor amargo da cocaína misturado a sangue, mordendo próprio  lábio para não expor nomes.
Eu lia rostos melhor que livros — uma pálpebra tremula antes da mentira, um dedo coça o polegar sutilmente antes da traição. Construí um império decifrando esses detalhes.
E o perdi do mesmo modo. Agora, no transatlântico Voyager, meu corpo se escondia junto à parede da cozinha, observando os passageiros através do monitor de segurança.
Mãos se apertavam com força desnecessária. Riso durava um segundo a menos do que o necessário. Até o garçom, inclinando levemente o copo de champanhe — um ex-agente da Interpol, se minha intuição ainda valia algo. No terceiro dia, o garoto rompeu meu protocolo.
Billy. Dez anos, cabelos negros como as asas do corvo que matei na infância para provar que não sentia medo. Ele não apenas olhava as pessoas — as dissecava. Seus olhos recaíam sobre cada gesto: o capitão alisando o queixo ao mentir sobre o atraso, a socialite francesa tocando o pingente de rubi sempre que mencionavam o magnata desaparecido do petróleo. A primeira conversa foi um duelo silencioso:
— Você também enxerga os padrões — ele declarou, empilhando cubos de açúcar em forma de pirâmide.
Meu café esfriou enquanto, sem perceber, eu replicava sua construção com sachês de adoçante. O navio balançou e nossas torres ruíram ao mesmo tempo. Na escola isolada da Suíça onde nos escondemos depois, Billy aperfeiçoou seu método. Anotava em códigos as inconsistências dos professores:
— O professor de química cheira a pólvora depois das "aulas particulares" com a diretora — sussurrou numa noite, desenhando equações invisíveis no ar pesado do dormitório.
Eu fingia ignorar o caderno, repleto de setas conectando desaparecimentos de alunos a visitas "oficiais" ao porão. Agora, na Amazônia, é a floresta que nos observa. 
O ar pesa como um cobertor molhado sobre os pulmões. Billy congela diante de uma árvore marcada por garras a exatos 1,83 metros — altura média de um homem adulto. Seus dedos tremem ao tocar os sulcos, enquanto eu conto os gritos de arara que soam quase como palavras humanas.
— Eles estão nos testando — ele murmura.
Não preciso perguntar quem. A selva respira em sincronia com minha frequência cardíaca.
As folhas murmuram meu nome verdadeiro — aquele que nem Billy conhece. Bom, eu acho que não. À noite, entre os sons que rastejam para dentro da barraca, Billy me pergunta pela sétima vez por que fugimos de Vegas. Meus dentes perfuram a bochecha até saborear o metal do passado. O psicopata que fui ou que forjaram em mim, sorri das trevas.
A selva não é inimiga. É espelho. E, no rio negro que corta entre as árvores ancestrais, vejo refletido não o rosto de agora, mas o da menina que incendiou seu primeiro cassino aos doze anos. Billy aperta minha mão gelada enquanto o último fragmento de mim que ainda tenta ser humano sussurra:
"Desta vez, ao corrermos, será em direção à verdade ou fugindo dela?"
 
CONTINUA...
 
POR ALCÍ SANTOS  

16/07/2025

CORREIO ÔMEGA

Boa tarde a todos os leitores.

Estou "aparando" alguns personagens pois durante os anos eu Alcí Santos e meu amigo Naôr Willians, criamos vários personagens e devido ao nosso tempo não estamos conseguindo dar conta de todas as histórias.

Da minha parte, permanecerão com mais temporadas os seguintes heróis e  com menos temporadas indicarei com um asterisco.

- 12⁰ D.P.

- HUSTLER (Temporada de 2025)

- Detetive Alcí *

- Querub e Diab *

- HZW e T-35 *

 - Vingador Negro (a cargo de Naôr)

 - O CAVEIRA (a cargo de Naôr)

Estarei entrando em contato com Naôr para saber se ele publicará neste ano de 2025.

Um abraço a todos.

ALCÍ SANTOS  

NOVO!

HUSTLER - A ILHA - CAPÍTULO 10

Finalmente, ao amanhecer, o enigma se desvendou. Um compartimento secreto na pedra se abriu, revelando não ouro ou joias, mas uma essência l...